Por Thiago Campos
Pasme, a economia é dinâmica. Inicialmente, o leitor pode pensar nunca ter visto tanto clichê, obviedade e senso-comum numa frase só. Mas, ao que parece, a frase não é tão senso-comum assim, mesmo para quem ocupa altíssimos cargos da nossa República, como será visto mais adiante.
É comum o consumidor de tempos em tempos mudar sua maneira de consumir produtos e serviços, isso é um dinamismo inerente à economia. O consumidor para de comprar de determinada empresa por entender que o produto da empresa concorrente é melhor ou mais barato ou simplesmente por não ter mais interesse naquele tipo de produto. De fato, é inerente ao ser humano ser instável e dinâmico, principalmente enquanto consumidor.
Essa instabilidade e dinamismo, por consequência, faz com que os lucros das empresas também sejam dinâmicos e instáveis, tudo a depender do consumidor. Tanto é assim que toda e qualquer empresa, exceto aquelas que têm algum privilégio, sentem-se incentivadas a sempre agradar o consumidor e sempre remam neste sentido.
Ainda que o dinamismo no consumo seja da própria natureza humana, muitas vezes ele é de assustar. Com a pandemia da COVID-19, o perfil de consumo mudou abruptamente, muito em razão de lockdowns, e vários setores da economia sofreram amargamente com isso.
De fato, em função da pandemia, várias empresas se viram, da noite para o dia, fechadas e, consequentemente, com faturamento baixíssimo, mas com custo fixo no mesmo patamar, com uma equipe de trabalhadores ociosa e, por óbvio, com um prejuízo estrondoso.
Num momento de dinamismo como esse, resta à empresa agir de acordo com o mercado, melhor dizendo, de acordo com o comportamento do consumidor. A partir do momento em que a empresa para de ser demandada pelo consumidor, ainda que seja por eventual lockdown, sua única opção, para sobreviver, é cortar gastos, tais como: aluguel, fornecedores e empregados que estão ociosos em razão da fraca demanda consumerista.
Apesar das melhorias trazidas com a Reforma Trabalhista, que, apesar de ser uma pauta impopular, foi aprovada pelo Poder Executivo e Legislativo com o fito de melhorar o ambiente de negócios e fomentar o emprego no Brasil, realizar demissões, ainda que da forma permitida em lei e diante da pandemia da COVID-19, é um verdadeiro martírio.
O caso da churrascaria “Fogo de Chão” ilustra bem isso.
Fechada, em razão de contínuos lockdowns, a churrascaria viu seu faturamento despencar e, vendo vários de seus colaboradores ociosos, decidiu demiti-los. Apesar de seguir a legislação à risca, a empresa foi condenada pela Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro a reintegrar todos os colaboradores demitidos e, ainda, a pagar 17 milhões de reais a título de indenização, sendo um dos fundamentos usados na sentença o fato de a churrascaria ter capital para administrar a crise; como se ter capital, economizar e se organizar fosse ilegal e passível de punição.
Por certo, principalmente em períodos de crise, é triste ver diversas pessoas perdendo seus empregos e, justamente por isso, o fato de o Estado intervir em situações como a citada anteriormente gera tanta comoção e apoio popular, pois “o Estado está salvando os empregos”.
Parafraseando Frédéric Bastiat, “isso é o que se vê”.
“O que não se vê”, por outro lado, é que, em razão de ter que reintegrar e manter os empregados apesar de inexistir demanda ou faturamento para tanto, a empresa falirá ou, no mínimo, terá imensa dificuldade de se reerguer quando a economia voltar ao normal.
Atos de intervenção no dinamismo econômico, ainda que tenham ótimas intenções, geram aberrações que, no final das contas, prejudicam a própria população trabalhadora, a quem supostamente a intervenção pretendia proteger.
Isso porque intervencionismos como o narrado fazem as empresas agirem de maneira ineficiente, pois elas não conseguem diminuir o custo quando a economia está ruim, ao mesmo tempo em que não conseguem crescer de maneira eficiente quando a economia está pujante, pois ficam com receio de contratar o número necessário de trabalhadores e, posteriormente, ter problemas como os narrados anteriormente ou mesmo custos exorbitantes com as verbas rescisórias, caso precisem demiti-los.
Logo, seja quando a economia está andando para frente, seja quando está andando para trás, as empresas sempre estão engessadas e, consequentemente, a população trabalhadora é quem mais sofre com isso.
Mas se alguns magistrados, apesar da posição de destaque que têm na República, não entendem que a economia é dinâmica e que o intervencionismo prejudica inúmeras pessoas em detrimento de algumas privilegiadas, qual a solução viável para mitigar o problema?
De pronto, podemos pensar em diversas reformas estruturais, modificações legais e constitucionais, dentre outras, mas elas demandariam um esforço hercúleo e talvez inalcançável no atual momento em que o Brasil vive um binarismo político.
Talvez uma solução muito mais simples possa fazer grande diferença.
Siying Cao, pesquisadora do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, em seu artigo “Quantifying Economic Reasoning in Court: Judge Economics Sophistication and Pro-Business Orientation”, aplicando ferramentas de linguística computacional para analisar decisões das cortes federais norte-americanas, procurou compreender e quantificar as consequências do aumento do raciocínio econômico nas decisões judiciais.
A pesquisadora concluiu haver uma correlação entre o conhecimento econômico do juiz e a maior frequência de decisões em favor dos negócios (pro business), mesmo havendo o controle de outras variáveis, como a ideologia política do juiz, e afirmou que as decisões pro business vêm de uma confiança em favor do mercado e do governo reduzido:
“I caution that this correlation cannot be interpreted as causal. Under the premise that economics as a branch of knowledge has a philosophical trust in favor of market and small government, we should expect judges more versed in economics ideas to display less sympathy for government regulation in cases that envolve regulatory bodies, given that ideas have consequences.”
A pesquisadora explica, ainda, que julgadores pro business, em sua grande maioria, são formados em cursos de direito com forte viés econômico:
“This set of results shows that J.D. education at law schools that were strong in the law-and-economics approach after 1970 is significantly correlated with a higher usage of economics language in judicial opinions later written by those who became district court judges.”
A pesquisa demonstra que medidas simples, como a multidisciplinaridade nos cursos de direito, incluindo o estudo sobre economia, podem ser essenciais para evitar intervencionismos e ativismos judiciais que tanto prejudicam a economia e, por consequência, a população.
Se a absurda maioria das decisões judiciais têm algum caráter econômico, desde uma pequena ação trabalhista, passando por um divórcio, até chegar numa discussão tributária que impacta o país, é razoável que se exija conhecimento econômico do julgador, que, nos últimos tempos, tomando o lugar do Legislativo, vem legislando de maneira indireta e intervindo cada vez mais na economia.
Assim, é necessário incorporarmos ao debate a possibilidade de se exigir conhecimento sobre economia para a investidura de cargos públicos ligados ao Direito, principalmente do Poder Judiciário e do Ministério Público, de modo a aprimorar as decisões de nossas Cortes que tanto impactam na vida do brasileiro.
Fato é que, muito embora não seja tão apelativo quanto uma reforma estrutural, por exemplo, muitas vezes soluções simples e eficazes podem ser essenciais para mudanças, ainda que essas soluções não estejam no holofote de todos.